O falso poeta escreve poemas lindos e dá-os às mulheres que lhe agradam. O falso poeta tem olhos, nariz, boca, corpo, óculos, boina, casaco de fazenda. O falso poeta só veste uma determinada palete de cores. Castanhos, verdes e cinzentos. Por vezes, pretos. O falso poeta percebe de vinho e  ah!… de literatura, de música, de lugares, de coisas que agradam pessoas cultas. Escreve poemas lindos e dá-os às mulheres que lhe agradam. Lindos! Todos iguais. O falso poeta existe mesmo. Anda por aí, diz mentiras. Abana um delicado copo com vinho. Engole-o e sente-lhe o doce aroma. Nunca se arrepende de ser poeta. Embora que falso.

Reparando, às vezes, no trabalho literário abundante ou, pelo menos, feito
de coisas extensas e completas de tantas criaturas que ou conheço ou de quem
sei, sinto em mim uma inveja incerta, uma admiração desprezante, um misto
incoerente de sentimentos mistos.
Fazer qualquer coisa completa, inteira, seja boa ou seja má — e, se nunca é
inteiramente boa, muitas vezes não e inteiramente má —, sim, fazer uma coisa
completa causa-me, talvez, mais inveja do que outro qualquer sentimento. E
como um filho; é imperfeita como todo o ente humano, mas é nossa como os
filhos são.
E eu, cujo espírito de crítica própria me não permite senão que veja os
defeitos, as falhas, eu, que não ouso escrever mais que trechos, bocados, excertos
do inexistente, eu mesmo, no pouco que escrevo, sou imperfeito também.
Mais valera, pois, ou a obra completa, ainda que má, que em todo o caso
é obra; ou a ausência de palavras, o silêncio inteiro da alma que se reconhece
incapaz de agir.

Fernando Pessoa in Livro do Desassossego