Andar à porrada

womenboxingonaroof19381

Nunca fui rapariga conflituosa e repugno as pessoas que andam sempre atrás do conflito e do drama, para poderem ouvir dos amigos, em conversa de tasco, o empolgante “deste-lhe bem, carago!”. Por conseguinte, tudo o que vou dizer a seguir invalidará tudo o que foi dito para trás e digo com algum pesar que é a segunda vez esta semana que ando à porrada. Sim, à porrada, coisa que para quem me conhece parece tão impossível como descobrir um emigrante daqui por 3 anos nos EUA. Se bem me lembro, a última vez que tivera andado à porrada fora ainda em miúda, com um rapaz que me partiu um lápis de cera cinzento quando o material novo tivera sido distribuído e ele o tivera feito de propósito porque não gostava de mim. Nessa altura, ainda nenhum de nós tinha dado o passo gigante em que as diferenças entre o corpo do homem e o corpo da mulher são bastante óbvias – costumo dizer que antes da adolescência todos temos corpo de menina – e portanto o nosso corpo estaria de igual para igual. Neste momento, por exemplo, é impensável meter-me com um rapaz, porque sei que eu levava logo. Veem como esta coisa da violência parece que “cola” logo e já só nos apetece dizer “levas no focinho”, “fodo-te a cara toda” e “ponho-te num 8”? Pois bem, não passo por aqui para me vangloriar, mas ontem duas indivíduas meteram-se comigo de tal forma que não pude conter um monstro que tenho dentro de mim, o da raiva. Quem não tem este monstro é melhor, mais pacífico, vive bem a vida. Não teve mesmo que ser, mas teve mesmo que ser. Uma das indivíduas tocou-me na cara e chamou-me de “florzinha”, enquanto esperava para ir ao WC na Semana Académica. Ela estava bêbeda e acompanhada por uma amiga. Florzinha? Sou sim, mas nas flores não se toca! Disse-lhe para parar, não obecedeu. Ao mesmo tempo que isto acontecia e o monstro da raiva tinia e fazia notar as saltitantes veias da minha cabeça, eu ia inchando, ficando vermelha. Então pensei “Elas são duas, eu estou cheia de medo porque os meus amigos estão ali ao fundo e não estão a aperceber-se de nada, mas eu vou bater a esta gaja, porque mesmo que a outra me bata, enquanto isso a amiga também leva e fazemos aqui uma luta em cadeia”. E bati! E não me arrependo! E estou cheia de medo e com receio, agora que o monstro já se foi. E tenho medo que ele volte. Sou uma pessoa frágil e todo o meu perfil o transparece e as idiotas acham-se no direito de gozarem com os sensíveis, não sabendo que o problema dos sensíveis é não terem por inerência o estímulo que elas me deram – o da defesa e o da imposição perante determinada situação. Acabando com esta parte da história, quero pedir desculpa à Sara, a pessoa com quem andei à porrada pela primeira vez há anos. A Sara não me fez nada, apenas era a rapariga com quem o meu ex-namorado me tinha traído há 4 anos. A porrada tem destas coisas, quando não se tem razão só nos apetece desaparecer. É por isso que é melhor não andar.

P.S.: Obrigada Sara, por seres uma verdadeira lady e não teres o mesmo monstro que eu, quando o que eu merecia era uma bofetada.

Esplanada

Naquele tempo falavas muito da perfeição,
da prosa dos versos irregulares
onde cantam os sentimentos irregulares.
Envelhecemos todos, tu, eu e a discussão,

agora lês saramagos & coisas assim
e eu já não fico a ouvir-te como antigamente
olhando as tuas pernas que subiam lentamente
até um sítio escuro dentro de mim.

O café agora é um banco, tu professora do liceu;
Bob Dylan encheu-se de dinheiro, o Che morreu.
Agora as tuas pernas são coisas úteis, andantes,
e não caminhos por andar como dantes.

Manuel Pina, in ‘Um Sítio onde Pousar a Cabeça’

Sou uma acérrima defensora da liberdade e não poderia deixar passar o dia de ontem sem um post alusivo a essa mesma liberdade que tanto anseio, também dentro de mim. Ontem, em pleno 25 de Abril, enquanto passeava, um homem passou por mim e apalpou-me a mama. Pelo seu aspecto, não tive coragem de ripostar, pois notei que caso o fizesse o desfecho poderia ter sido bem pior. Ele continuou a andar e eu gritei bem alto “badalhoco”. Isto para dizer que no campo da liberdade ainda há muito para lavrar e que a justiça, por vezes, tão justa com ninharias, se deveria importar com o que realmente interessa. Como mulher, ontem poderia ter sido o pior 25 de Abril de sempre se não tivesse ouvido o Filipe Pinto a cantar “Venham mais 5”.

Funeral Blues

Stop all the clocks, cut off the telephone,
Prevent the dog from barking with a juicy bone,
Silence the pianos and with muffled drum
Bring out the coffin, let the mourners come.

Let aeroplanes circle moaning overhead
Scribbling on the sky the message He Is Dead,
Put crepe bows round the white necks of the public doves,
Let the traffic policemen wear black cotton gloves.

He was my North, my South, my East and West,
My working week and my Sunday rest,
My noon, my midnight, my talk, my song;
I thought that love would last for ever: I was wrong.

The stars are not wanted now: put out every one;
Pack up the moon and dismantle the sun;
Pour away the ocean and sweep up the wood.
For nothing now can ever come to any good.

W. H. Auden

Hoje descobri que “Hayır” é “não” em turco e que “Evet” significa “sim”. Por isso, hoje, envergonho-me de o dizer e escondo a cara debaixo da gola do vestido. “Evet” é um completo palavrão que os turcos parecem tolerar e pergunto-me como é que um povo pode ser tão rebanhado para o “sim”, quando nele está inscrito “recuso toda e qualquer forma de liberdade”. Se desde que abri uma notícia sobre o assunto me sinto feroz, porque é os turcos não se sentem? Como se aliena um povo desta forma? Não é óbvio que se deve votar o “não”? O não ao totalitarismo, o não às correntes, o não às chefias e às vigilâncias abusivas? Acompanho em direto o espetáculo pelo Observador e ao que parece o “sim” ganha, o que significa que o povo turco enlouqueceu já aquando da eleição de Erdogan, Presidente do qual se alega adulterar (até) os votos, caso seja preciso. E este “caso seja preciso” nunca deveria vir na boca ou nas palavras de alguém, pois gera imediatamente medo e uma sensação de subordinação. Espero que as sondagens dêem uma grande reviravolta… ou estará a Turquia, à semelhança dos EUA, f*****.

Quando estiveres velha e grisalha e cheia de sono,
E a cabecear junto ao lume, vai buscar este livro,
E lê devagar, e sonha com o olhar brando
Que outrora foi o teu, e com as suas sombras fundas;

Quantos amaram os teus instantes de ditoso encanto,
E amaram a tua beleza com um amor falso ou sincero,
Mas só um amou a alma peregrina que trazes em ti,
E amou as mágoas do teu rosto em transformação;

E, debruçando-te junto da grelha resplandecente,
Murmura, com certa tristeza, que o Amor fugiu
E foi caminhando pelas montanhas até ao alto
E escondeu a face entre uma vastidão de estrelas.

W. B. Yeats
(tradução de Vasco Gato)