Árvore
de Joana Manarte
I
Tens comboios nas mãos, quando as pousas
em mim. Vão para todo o lado e eu deixo.
E saem-te penas dos pés quando andas.
Tens estilo.
II
Gosto de ir ao cinema na tua boca.
Apoio a cabeça nos cotovelos e fico ali especada em frente à tua boca. Aberta. E um filme a passar lá dentro, no escuro.
III
Nunca te contei isto, mas sonhei que dançaste comigo numa rotunda. Chovia, era de noite, passava um carro de vez em quando.
Quando acordei, tinha a roupa molhada. Era de noite. Passava um carro de vez em quando e tu estavas a dançar comigo numa rotunda.
IV
Tens nuvens nos braços. Reparei nisso a primeira vez que me abraçaste e eu não sabia do chão, mas não caí.
V
Todas as estátuas com quem falei invejam-te a beleza que trazes no corpo e no rosto e as pedras gritam que és escultura em movimento.
VI
A tua sensibilidade arrepia-me os cabelos. Levantam-se em alvoroço, como se houvesse vento de baixo para cima, e exibem-se para ti, como plantas vaidosas a cortejar o sol.
VII
Sabes desenhar com a imaginação, que eu uma vez perguntei-te sobre o amor e tu explicaste-mo com matemática. Ou com poesia, que é a mesma coisa. E tu lá desenhaste o infinito à frente
e atrás dos meus olhos e eu nem sabia que sabias desenhar assim.
VIII
Tu nunca dizes de chofre o que sabes fazer. Mas, por exemplo, uma vez puxaste-me para ti e deixaste cair o céu todo no meu ouvido. Ficou noite e eu sorri muito, já não tinha cara que chegasse.
IX
O teu peito é um oceano. Gosto de o olhar, de inventar barcos pequeninos a navegar e de me deitar toda nele, a ouvir a água.
X
Põe-me entre a tua pele e a areia. Molhada. Eu. A areia. Eu.
Eu em posições de oferta. Jugular em riste. Pernas de acrobata. Costas em arco e flecha. Frutos no peito. Mãos em flor. Árvore. É isso. A ti, ofereço-me em árvore.
Chegas-te perto e confundes-me as estações. Já tenho a boca tonta de vinho e outono e ainda sinto o mar a entrar-me entre as pernas.