— Senhora, você está com D…, disse-me o velho asqueroso, lá no Hospital da Luz de Coimbra, onde numa consulta de 30 minutos me foram cobrados, com muita pinta, 200€.
— D… quê?, perguntei com ar fino de madame que usa bolsa da Guess – porque não tem dinheiro para mais, mas já dá um up no look – que não entendia vocabulário tão simplório.
— Aquilo de que se queixa é D…, balbuciou o porco, ainda antes de me analisar.
— Défice neurológico focal, dermatite, dependência química, dengue hemorrágica…? Mas de alguma destas coisas é especialista?
— D…, e baixou o queixo, enquanto olhava, por cima das lentes, para mim. Não lhe vi a cara, ainda foi na época das máscaras, mas ainda bem. O homem era feio como tudo. Tinha-o pesquisado antes de ir. Era um dos melhores G. da cidade e eu precisava disso, de um bom especialista.
— Ó homem, diga lá.
Foi então que ele disse a palavra. Uma daquelas boas para rimar.
A resposta não me surpreendeu. Andava a dormir 3 horas por dia, chorava com o abanar das árvores, ficava muitas vezes perplexa a achar que tinha muito que fazer e não sabia por onde começar. Vomitava, porque bebia muito café para me manter acordada. Queria conseguir terminar o trabalho extra que levava para casa, escrever a dissertação e manter o part-time que somava com o full-time de jornalista. Além de, claro, todas aquelas coisas adicionais da vida quotidiana. Cozinhar, comer, lavar a roupa, pô-la a secar, passá-la. Vestir-me. Manter-me viva.
A D. não era por causa do Topo Gigio, ao contrário do que a minha mãe pensou, embora, claro, o facto de esse período de burnout ter coincidido com o término também não tivesse ajudado. Uma mulher não é de ferro, ainda que tenha bons e melhores pretendentes atrás de si.
— E o que decide?, questionou-me.
— Quanto a?
— Veio cá, porque ele achava que não era uma mulher normal…
— Eu sempre soube que era.
— Entendo. Vai querer reatar?
— Jamais. E jamais saberá de mim ou disto. Agora descobri o que tinha. Vou ter de sair daqui antes que o trabalho me coma até ao osso.
— É uma ótima decisão. Vou, então, receitar-lhe anti-D.
— Pode receitar, mas eu não os vou tomar. Sei o que me mói. A partir de hoje sou livre. Quer dizer, quando acabar o contrato.
— Não precisa disso. Isto ia ajudá-la. Conheço alguns amigos da área que lhe posso recomendar. Fica de baixa se vir que não aguenta.
— Uma mulher aguenta tudo.
Passei a placa no dia 16 de setembro, por volta das 16h32. Coimbra com um traço vermelho. Despedi-me das pessoas que por lá conheci. Jurei querer voltar a vê-las. Continuo a querer. Foi nesse dia que virei pena. Voei, então, feliz, muito feliz, para perto das montanhas (onde não há baloiços instagramáveis, mas pura poesia).
Agora, o abanar das árvores é só o abanar das árvores. E as flores condizem com a minha alma.
O carro queixou-se nesse dia, estava cansado, mas nem ele, tão inanimável, me falhou tanto quanto o Topo Gigio.