Nos trabalhos que arranjo durante o Verão, encontro a gente mais pura e genuína. De entre essas pessoas: a Maria, a Sónia e a Marta. Todas com nomes fictícios. No meu blog prefiro assim, não vão elas lê-lo e não vá eu não ter elogios à sua medida – muito grandes. São mulheres da raça do diabo e merecem especial carinho, por isso, procedo a apresentá-las de forma cuidada:

A Maria é uma rapariga nova, pouco mais velha que eu. Trabalha a fazer hambúrgueres e outras comidas, essencialmente fast food, o ano inteiro. Nunca vi alguém lavar a loiça tão rápido como ela. Deve ter saído da escola e aprendido, desde cedo, que neste tipo de restaurante, até a loiça tem de ser lavada fast. Quando trabalhei com ela (a part time) doíam-me muito os pés. À Maria nunca lhe doíam os pés, apesar de trabalhar a tempo inteiro. “Tem uns bons pés”, pensava. Ela sabia lidar bem com as críticas dos clientes e gostava dela porque me sorria sempre que chegava. Deixava os trabalhos mais leves para mim, sentia-me mal. Mas talvez o fizesse para sair mais cedo, porque eu, em quase todas as tarefas, era mais morosa. Sempre que era eu a abrir o estaminé, tinha de ir buscar os jornais à pastelaria mesmo à frente. Olhava para eles, folheava-os, sentia-lhes o cheiro fresco, na minha cabeça sabia onde teriam sido impressos. Tinha a certeza que um dia escreveria para um daqueles: o JN; o Expresso ou o Público. E a Maria… tendo-se confinado àqueles frios fundos, onde se situava a cozinha, viveria cada manhã da sua vida, a ir buscar os jornais… que agora eu escrevia.

A Sónia é mãe solteira. Pelo que consegui apurar até agora, tem quatro filhos. Chega a trabalhar 13 horas diárias e a tudo o que os clientes dizem ela responde com um humilde “obrigadas”. Chega o senhor do pão e ela diz “muito obrigadas pelo pão”. Depois vem o homem da carne e ela diz “obrigadas, amanhã traga-me mais porque é segunda, dia de feira sabe, e os emigrantes vêm todos cá comer”. Depois de fazer as minhas horas diárias e ganhar bem mais do que ela, diz-me “obrigadas, Patrícia”. E eu penso “Obrigada porquê, Sónia? Por trabalhar bem menos que tu e ganhar bem mais?”. Sempre que o diz, parte-me o coração. Apetece-me rasgar a nota de 20€ a meio e dizer-lhe “Olha, toma lá. Disseste-me que o teu filho mais velho precisava de uns óculos e isto pode ser que ajude”. Esta mulher de quem falo faz tudo. Parte frangos como ninguém. Enquanto eu e a Alda limpamos três ou quatro bichos, ela limpa uns 20. O que mais me surpreende na Sónia é a sua capacidade para pegar nos testos a ferver. Goza comigo quando digo que está quente. Ela diz “Não está nada”. Sorrio. Será que ela sabe o quanto gosto dela?

A Marta, de todas, é a que tem o melhor emprego. Terei o mesmo trabalho que ela até entrar numa redação. Ela dobra as camisolas de uma forma rápida e estranha. Tem mais dois anos que eu e vive com o namorado. Eu gosto dela. Não é por ter tido melhor sorte que não merece o meu apreço.

A Maria, a Sónia e a Marta têm uma coisa em comum. Não gostam dos patrões. Nunca vou conseguir corrigir a Sónia pelo amor que lhe tenho. Não é “obrigadas”, Sónia. É obrigada.

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