[In loco] Grande parte da canalha do atendimento ao público, mormente em estabelecimentos como hospitais e centros de saúde, é indelicada, pois carece de civismo. Desta forma, permita-me comparar esta conduta grosseira à das cabras, que em termos informais e depreciativos significa “mulher de mau génio ou que berra muito”. Os dois estão corretos e estendem-se também ao homem.

Ironicamente, estar aqui deixa-me doente. 

Sonhei com um homem de barba ruiva, o meu salvador. Ele soltou-me deste feitiço que alguém me lançou há oito anos – o de não me apaixonar – que me preocupa tanto. Afinal… Quem somos nós sem amor?… “Hapiness is only  real, when shared”. A M. namora, a C. namora, a J. namora. Nunca deixaram de namorar tanto tempo quanto eu. Desde esse sonho, espero um homem de barba ruiva e tez pálida, com uns lindos olhos verdes, que sorri e me dá a mão, sincero, pelas ruas do Porto. Nunca me senti tão confiante caminhando pela cidade, aquele sonho… não consigo parar de matutar naquele sonho.

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A escrita também tem de ser adestrada, todos os dias se havia de ler e escrever. Ela deve ser treinada como os homens do ginásio treinam os músculos e vincada como os lapidários fazem com as gemas de diamante. Um dia, quando for boa o suficiente na escrita e a maior parte dos intelectuais gostarem mais ou menos de mim a ponto de me recomendarem, deixarei de treinar. Depois de os conquistar gostarão de qualquer coisa que escreva. Será então que, nesses finais da minha vida, poderei viver da inveja e não da procura, porque ninguém conseguirá fazer como eu.

Receio viver da escrita jornalística. Já ninguém acredita em nós. Para toda a outra escrita é preciso um trabalho redobrado e doloroso, tenho de sofrer. Quando sou feliz não tenho nada para contar. Que interesse tem a vida dos que vingam sempre? Tem de existir curvas no gráfico do bem-estar. Já pensaram em fazer um? Fixo ao frigorífico com um íman (que está sempre a cair), todos os dias apontariam “:)”, “:(” ou “:|”. Quanta não seria a infelicidade, quando ao fim de um ano, percebessem que somos tão instáveis quanto o nosso amigo mais indeciso, que todos os dias tem uma opinião diferente sobre determinado assunto.

Epílogo

Meu coração, não batas, pára!
Meu coração, vae-te deitar!
A nossa dor, bem sei, é amara,
A nossa dor, bem sei, é amara…
Meu coração, vamos sonhar…
Ao mundo vim, mas enganado.
Sinto-me farto de viver:
Vi o que elle era, estou massado,
Vi o que elle era, estou massado…
Não batas mais! vamos morrer…
Bati á porta da Ventura
Ninguem m’à abriu, bati em vão:
Vamos a ver se a sepultura,
Vamos a ver se a sepultura
Nos faz o mesmo, coração!
Adeus, Planeta! adeus, ó Lama!
Que a ambos nós vaes digerir…
Meu coração, a Velha chama,
Meu coração, a Velha chama…
Basta, por Deus! vamos dormir…

António Nobre, in ‘Só’

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Sou prepotente, acredito muito em mim com caneta e papel. Pessoalmente, sou uma incrédula fraude. Meus lábios tremem e não consigo articular bem as palavras nem falar dos assuntos importantes. Não me lembro de quem pintou American Gothic nem a Dama com Arminho. O psicólogo já me avisou para descer do altar, mas se Deus mo quer dar, cedo à sua vontade e permaneço.

Estou com ideias de ir para Lisboa ver os mesmos edifícios que inspiraram Pessoa e o mesmo mar que lançou Luís na sua obra. Quero acabar sozinha num apartamento pequeno com varanda, afagando as cabeças dos gatos e ocupando os meus dias à procura de amor dentre os livros. Em Lisboa sempre há mais moços loiros que frequentam caves onde se diz poesia. A minha mãe enviar-me-á laranjas e limões do Norte. Para mim, no Norte não há mais nada além do cheiro real das coisas e da mágoa que guardo desde os 14 anos, quando me apaixonei. Aqui em Lisboa, há o Tejo, o cheiro a estrangeiro, o Tuk-tuk, as lojas com produtos vintage, os bolinhos da torre e o restaurante mexicano onde a minha tia me levou no Verão passado.

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Primeiro amor

Gostava muito dele
mas nunca lhe disse isso
porque a minha criada tinha-me avisado
se gostar de um rapaz
nunca lhe diga que gosta dele
se diz
ele faz pouco de si para sempre
os rapazes são maus
eu não era bela
nem sabia quem tinha pintado os Pestíferos de Java
resolvi assim escrever-lhe cartas anónimas
escrevia o rascunho num caderno pautado
não sei hoje o que escrevia
mas sei que nunca escrevi
gosto muito de ti
e depois pedia a uma rapariga muito bonita
que passasse as cartas a limpo
eu acreditava que quem tinha uns cabelos
assim loiros e a pele fina
devia ter uma letra muito melhor que a minha
agora que conto isto
vejo que deixo muitas coisas de fora
por exemplo que o meu primeiro amor
não foi este mas o Paulo
o irmão da rapariga bonita

Adília Lopes, Resumo A Poesia em 2009, Assírio & Alvim, 2010